Escrevi isto noutras instâncias mas achei por bem retocar e colocar aqui também. Nunca é demais. Pertencente à área da sexualidade, tanto física como psicológica, é essencialmente uma área behaviorista cujo limite se implementa pelos barões da moralidade, seja ela crassa seja ela corrompida.
Dado dia passei pelo Bairro (aquele local de ruas altas e barulhos muitos, entre sujidades e odor às impurezas da alegria) e tive um tempo de conferência com um dos senhores que estavam na altura dedicados à associação de estudantes da FCSH. No meio de vários assuntos saiu a questão LGBT. Já havia ouvido falar que se pensava dar vida a essa temática na faculdade mas ainda não estava a par dos planos e, portanto, quis perceber. Tudo muito bonito e de louvar mas as inevitáveis falhas da ignorância sobre o tema levaram-me a escrever o que se segue. Talvez um dia, nesses planos futuros, lhes fosse/seja útil, senhores estudantes dedicados.
Na verdade, não será demais dizer que cada caso é um caso e que nenhum peca pela falta de valor que tem. Todos diferentes, assentam igualmente em toda uma necessidade de batalha a ser travada. Porém, talvez também desentendido na área, do pouco que vi há que salientar que a minoria T (esses labels of mind...) está muito mais na penumbra que as restantes minorias deste mesmo grupo. Antes de partir para a questão do que será verdadeiramente essa letra, é importante dizer qual a sua designação. Esse T tão pronto a cair nos debates sociais, tão esquecido e desconhecido, significa não transsexualidade, como me havia dito o rapaz da associação, mas sim transgenerismo. Achei, pois, por bem, depois de me ter dedicado à homossexualidade na altura, escrever agora sobre este tema, que sinceramente me preocupa mais ainda que o anterior.
Ora então, o que será esse palavrão? O que quererá isso dizer? Para ser simples e directo, transgenerismo é a ruptura dos papéis de género tradicionais (dos clássicos homem e mulher), que estão, claro, ligados à noção de sexo biológico, esperando-se a partir daqui que uma pessoa se comporte de determinada maneira, consoante cidade, família, hábitos e costumes em que tenha a sorte (ou o azar) de nascer/crescer/viver. Porém, o ser humano é muito mais que um rótulo, que uma definição, que um papel de género. Tudo isso, defendo eu, limita-o e ofende-o no ‘para lá do que se vê’. Há, de facto, toda uma necessidade, como se vê desde há anos, de misturar ambos os papéis, tentando equilibrar o nível social de ambos os géneros. Há uma necessidade de atenuar a guerra dos sexos. O transgenerismo é, porém, muito mais do que isso. É o termo atribuído a todas as pessoas cujo comportamento é diferente dessas medidas que se impingem desde a nascença a meninos e meninas. É, portanto, o que vai naturalmente contra a maré social.
Falar de transgenerismo torna-se complicado porque se entra na área do psíquico. Uma parte de nós que nos ultrapassa (sim, nós ultrapassamo-nos a nós mesmos). A área da identidade. Pegando num trabalho que uma senhorita uma vez me apresentou, imagine-se um gráfico em que um dos eixos é precisamente a linha da identidade. As extremidades equivalem ao ponto base do ser humano: de um lado o homem, do outro a mulher. Tudo o que compreende os restantes pontos desse eixo são os milhares infinitos de formas e apresentações possíveis de níveis de identidade. Todo um processo de masculinização e femininização o poderá explicar. Não somos todos iguais e, de todo, seremos pequeninos.
Ora, se efectivamente temos pontinhos e mais pontinhos de identidade, teremos também várias expressões de transgenerismo. E, mais, há inclusive transgenerismo laboral quando pessoas de sexos diferentes vestem o mesmo tipo de roupa, sendo que esta é uma divagação e não uma sub-categoria transgénera.
Antes de partilhar convosco os grupos de que tenho já conhecimento, será importante salientar que se pode dividir o transgenerismo em dois grupos: transgéneros que se baseiam na realidade tradicional homem-mulher e transgéneros que assumem que ‘homem’ e ‘mulher’ serão apenas e só mais dois dos vários milhares de géneros existentes. Uns assumem um papel de acordo com o esperado por um dos géneros na sociedade, outros assumem-se tal como são, por vezes, num jogo entre ambos os papéis.
Deixo frisado que cada caso é um caso, mas aqui ficam alguns dos casos que conheço (e peço desde já a quem ler que caso saiba de outros casos ou tenha uma qualquer objecção, não tenha quaisquer problemas em mas apontar, ficar-lhe-ia, pelo contrário, bem grato):
Cross-dresser: Pessoas que assumem os papeis sociais, como roupas e alguns comportamentos do sexo oposto. Não interfere na sua orientação sexual nem tão pouco no seu corpo. Assumem-se com o género com que nasceram biologicamente, mas a sua apresentação é toda ela oposta à norma social. É uma questão fetichista (e até erótica se quisermos) e, mais importante, não é de cariz sexual.
Drag king/queen: Será mais uma fantasia. Fantasia que poderá ser expressa a nível de trabalho, do espectáculo ou de um costume de máscara, por exemplo. Diz-se de Drag King uma mulher com roupa de homem e de Drag Queen, um homem que vista roupa de mulher. Também este caso não implica alterações corporais nem orientação sexual x, y ou z.
Transsexual: uma pessoa que sofre de uma disforia de género em que o físico e o psicológico são antagónicos. Neste caso poder-se-á passar ou não por um processo de readaptação corporal, sendo que a tendência é para que se passe. É uma disforia que invalida toda uma realidade e que sem uma readaptação será um sufoco. Relativamente à orientação sexual, também aqui esta será independente da identidade.
Travesti: Actualmente, para ser simples e directo, um travesti é um transexual que não passa pela tal readaptação corporal. Em tempos seria os ditos Drag kings/queens, mas hoje é a transexualidade que não passa pelo processo hormonal e cirúrgico. Também não implica uma qualquer orientação sexual.
Andrógino: Características de ambos os géneros, tanto física como psicologicamente, num único ser, não dando sequer para dizer a qual dos géneros pertencerá. Pode também ser uma disforia de género em que, por toda a implicância psicológica, também o comportamento terá os seus manifestos condicionados. A orientação sexual também aqui é independente.
Intersexual: É a pessoa que nasceu entre o sexo masculino e o feminino, tendo parcial ou completamente desenvolvidos ambos os órgãos sexuais ou um predominando sobre o outro, assim como poderá ter este duo sexual do género a nível interno. Temos, portanto, uma componente cromossomática e gonádica diferente que se reflectirá numa caracterização genital e pubertária diferente, assim como a nível psicológico terá eventuais consequências comportamentais claramente advindas da avaliação social de ambos os géneros. Há casos de igual evolução da genitália e casos de graus diferentes de evolução predominando um dos géneros. A nível de orientação, também poderá ser homo, hetero ou bissexual (e, claro, também assexual).
Hermafrodita: Componente avaliada exclusivamente a nível físico, portanto, científico, tratando-se da pessoa que nasce com dois órgãos sexuais de géneros opostos. É a origem do termo 'intersexual', diferenciando-se ambos por um ser mais amplo que outro. Este é muito mais restrito, não sendo sequer considerado uma forma de transgenerismo pela maioria. Nascendo com dois géneros, opta-se por um (normalmente os pais) e a criança é logo ali trabalhada. O problema é saber, em ambos os casos, se as coisas se ficam por aí e se mais tarde não haverá um choque comportamental na criança. Daí ter escrito 'trabalhada' e não 'readaptada'. Orientação sexual também ela independente.
Como se viu, em nenhum dos casos houve ligação directa entre transgenerismo e orientação sexual. Qual será então a diferença entre homossexuais, bissexuais e transgéneros?
Como disse quando falei da homossexualidade, os homossexuais femininos e masculinos são pessoas que sentem atracção emocional e sexual por pessoas do mesmo sexo e os bissexuais são pessoas que poderão sentir atracção emocional e sexual tanto por alguém do sexo masculino como por alguém do sexo feminino. Já os transgéneros são, como disse, pessoas que rompem com a norma social. Nisto a grande diferença prende-se com orientação sexual e identidade de género. Perguntar-me-ão, poderá um transgénero ser gay ou bi ou se uma gay ou bi poderá ser transgénero. Certamente, assim como um heterossexual poderá ser transgénero e vice-versa. São coisas verdadeiramente diferentes e independentes.
Fala-se igualmente em modas e em doutrinas quebradas mas a verdade é que a evolução é constante e a etologia explica-a sem paradoxos, sem barreiras. Desde sempre que entidades várias da existência orgânica revelam estes padrões corporais e afectivos. Animais que se auto-reproduzem, que se auto-transfiguram para conseguir a cópula com as suas desejadas presas do amor, animais que sugam a homogeneidade do género, animais que reflectem exactamente esas questões. São essas sombras do tempo que nos indicam o como, adaptativamente, num fenómeno evolutivo constante, tudo o que hoje temos, na complexidade da nossa espécie, pode ser facilmente explicado sem no entanto recorrer aos cânones da ciência.
Por outro lado, as várias personagens humanas da histórias, heróicas ou não, de civilizaões desaparecidas ou ainda presentes, igualmente nos indicam que todo este «drama» não é de agora e toda esta luta de conveniência pela sádica convenção ideológica desse brado que é o Homem não é mais do que um sucesso sucessivo de tentativas abafadas pelo fachismo do género, pela cobardia racional.
As portas abriram-se ao longos dos tempos e os horizontes, nestas e noutras áreas, igualmente se alargaram. Hoje, temos ópio nas mãos e celas por todo o lado. O conhecimento alastrou e a continuidade do tradicionalismo devora-o. Num nihilismo quebramos quem somos e tão só nesse momento esquecemos que alguém pode já ter morrido ainda antes de ter começado a viver. Transgenerismo é exactamente isso. Legal ou não, aceite ou não, trabalhado ou não, facilmente pode passar de um cordão liberal, do poder da vontade, a um jogo de celas pela prisão do próprio corpo nesse labirinto que é esse ferrete, jogo indelével, do vínculo sexual.
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4 comentários:
E quem fala assim n é gago!
«ó careca, cala-te...» -P
looool
«ah, compréndi-ti»
^^
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