domingo, 20 de dezembro de 2009

Não te olhei uma única vez desde a última palavra. Partiste com a ferida do coração e com a minha alma colada ao teu corpo. Foste sincero em momentos que não existiram mas que se gravaram em cada parede do teu quarto pela naturalidade do que te expressa cada poro da pele. Absorvido. Morto. Nesses quadros de Razão impulsiva. Morto. Arranhadamente morto. Como brinde ao amanhecer de uma criança, entre cheiro de ópio e cheiro de agonia. Restos de lágrimas, de sangue. Posto. Ardido. Morto.

Não te olhei uma única vez desde essa despedida porque te despiste em ramos de mel que me afastam com as lágrimas do teu arrependimento. Destruíste a esperança que me deste e cultivaste ódios e medos dentro de nós. Fizeste-me egoísta. Cortaste-te a pele. Retiraste-me segundos de paz e fizeste-me morrer. Durante anos, morto. Para sempre, morto. Morto porque me despiste, sim. Morto porque me tiraste a única luz que alguma vez me fora fiel. A única que me alimentou e se deixou conhecer. Na naturalidade do tempo, nesses buracos infindáveis do tempo, ficaste gravado em ti mesmo e o reflexo será para sempre o desuso próprio do teu saber e do caminhar. A experiência ficou, o resto morreu. Ela mesma, deturpada, morreu. Morto. Eu.

Algures de lá detrás no tempo

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

...

Braille de nadas num olhar sombrio
Sobre o leito das flores engasgado
Como o sol à noite embalsamado
Nessa cortina assim fugiu.

Uma dança de sonho no gelo esguio
Pela turbina do céu aconchegado
Uma miragem nas nuvens de sangue frio
Uma palavra vazia do mau olhado...

Formas essas esculpidas de pecado
Entre relâmpagos satíricos de heresia
Nessa asa que fica no ideado
Na nau ferida em fantasia

Num escárnio tétrico se ria
Num mar de chamas devaneado
Morrendo assim mais um dia
Na diafaneidade do sagrado

Escrito em 19.06.03

When you listen to the sounds of rain...

Inspiração pessoniana

No tempo em que olhar era ironia,
No tempo em que era são sem palavras,
No tempo em que, sendo criança, era eterno,
No tempo em que ser criança era estar no teu jardim...

No tempo em que tudo era nada...
(e nada...era tudo...)
Toda a esperança era um não-saber encantado,
Todo um viver impuro...

No tempo em que tudo era nada...
(e nada...era tudo...)
Toda a infância era o saber desencantado,
Todo esse sorriso um poço inseguro...

No tempo em que o passado era o presente congelado,
O futuro uma aliança frisada,
No tempo em que o futuro não era sequer,
O passado nem se sonhava...

Nem os astros no tempo,
Aquele que pertence ao momento,
Nem os não-seres do pensamento,
Nem o tudo, nem o nada,
Nada, tudo dado...nenhum julgamento!

No tempo em que era teu sem receio
No tempo em que eras meu num luzir
Num tempo em que o hoje era o nunca
Num tempo em que o alegrar era o teu partir...

Num tempo distante sem luz
A luminosidade era o vento,
Num tempo passado em que o morrer era viver
Deixei-me apagar, deixei-me morrer

...No tempo que hoje nem chave é, no amanhã é o esquecimento...
...No tempo que hoje é o tema, no amanhã será o grito agudo e lento...

Escrito algures no meu 12º ano
O infinito invade-nos a cólera e o turbilhão ajoelha-se nos cálices de vinho que se nos entregam quando sangramos o sonho. Pensam-nos linhas sublinhadas quando somos escritos a bold e tudo mais é feito de chama quando cada gota prefere cair no rasgão de qualquer pele.