quinta-feira, 2 de abril de 2009

De bom nome, Pessoa ditara:

Tenho em mim todos os sonhos do mundo!

Modas...

Eu como sou muito céptico nestas coisas, não consigo sequer imaginar quantos serão. Pensar em sondagens é sempre muito relativo. Há quem deturpe, há quem omita, há quem não esteja incluído, há quem se assuma em vão, há quem não se assuma de todo... Falo de sexualidades e destas, numa caixa completa de non-homosexualis, de non-bi-ades sequer, provavelmente teríamos uma taxa de quase 100% de heterossexuais assumidos quando se sabe que desses quase 100% muitos não o são por, não sendo homossexuais, serem bissexuais ou compreenderem outra qualquer sexualidade. Seja como for, são números que servem de exemplo muito embora não lhes atribua sequer valor. Porém, a julgar pelas necessidades e atitudes sociais, diria que talvez estivesse perto dos 10%/20% toda essa manchete de '-ades' pós-mo, e não mais que isso, ainda que talvez estas novas gerações possam perfeitamente vir a aumentá-lo. Em todo o caso, penso que são bastantes. Pelo menos os suficientes para poder ter voz lá fora e garantir que a homossexualidade segue um padrão de sensações afectivo-sexuais mas que nada mais é que uma característica individual tal como qualquer outra sexualidade. Mas modas... Bom... A sociedade é tão só um reflexo da sua própria época e as coisas nada mais valem que aquilo que entretanto se condicionou nos seus cânones. Com a abertura cultural, estamos numa recuperação de ideais antigos (clássicos e anteriores a isso até) misturados com os fundos da própria evolução. Temo estas coisas porque normalmente a história repete-se dando pouco azo de quem evoluiu mas pode ser que não (dado já ser visível o avanço). Contudo, desejar a emancipação da homossexualidade (ou mesmo de qualquer outra 'ade' sexual) é tão só isso e não uma vontade de a proclamar um objectivo a cumprir ou uma tendência a denegri-la no seu carácter afectivo-sexual. Este aspecto sim é crítico e preocupante mas penso que pouco se possa fazer. Está instalado em qualquer situação ou sentimento e cumpre as novas regras sociais: as famosas curtes, as experiências crassas, as carnalidades obscuras e os momentos levianos só porque é giro ter e expor. Quando em relação, passa-se ao quadro das abébias abertas e das explorações constantes. Há quem disso goste, eu ainda sou tradicional neste aspecto (e, lamento, dificilmente deixarei de o ser). Penso que isso tira critério a cada um dos aspecto actuais mas é a chave do futuro, portanto que se trabalhe não no sentido de o cortar mas no sentido de o fundamentar. Impeça-se, sim, a destruição de trabalhos e concepções ou, mais até, essa moda sexual entretanto visível, esse voyerismo atípico do sexo e da identidade do ser, ao inves da proclamação do desespero pelo poder.
Há coisas que não entendo
Coisas tais que tão só não dá para entender
Neste frénésie, demência da alma,
Nesse efeito dópico de queimadura imensa,
Desde os cálices de desespero ao mais puro teor de fruição,
Por cada segredo narrado a medo
Entre chaves de sussurros e maldição.

O toque, o choro, o grito, o ópio
A droga, sim, o odor
Mel enferrujado, sangue fraco, suor a degredo
Chamas, música, lençois de veludo, ombreiras de credo
Olhos colados aos meus, corpo a transpirar meu enredo,
Diante de um sonho, algures num pico de sabor
Torpes unhas cravadas em meu corpo, letal uivo estridor.

Sabe a pouco, confesso, perder-me
Neste turbilhão de não saber de quem ou do quê,
Sabe a pouco, sim, tal padrão desfigurado
...Querer e não querer...
Alcançar o entrelaçar do tempo, essa troca de fôlegos
...Esse pecado...
Rasgar orgasmos de fadiga e de prazer.

Seguir a vida numa eternidade mórbida,
Entre notas musicais de vociferos, vulúptia, de peco ser.
Rasgar-te o corpo enquanto balanças nas cordas,
Esquecer-te completamente enquanto te ganho viver

Sugo-te a pele, impaludo-te o corpo,
Embalsamando-te essências desse erotismo venéreo,
Essa silhueta vampírica de carnalidade
De amor e morte, de brada lascividade
Entre fados de cortes de pura vaidade
Em venturas nefandas de puro saber

Rasgas-me o corpo, despes-me a alma
Cortas-me o fôlego, sugas-me o véu
Despes-me o cálice, derretes-me o topos
Sujas-me o lodo, desfiguras-me o ser
Num grito suturno de instâncias de corvo
Rasgo-te o sexo, apago-te o bordo
Mato-te no fogo e morro por te perder
.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

...

Olhava para o céu e via a imensidão da Noite numa névoa pintada de cores transparentes que voava sempre para o além do tempo. Atrás da saudade, saudavam as heresias da Vida. Atrás da escuridão submersa, uma cantiga de amigo sempre entregue ao vento. Atrás da cor da lágrima, um sorriso que se despia pela boa nova da Noite, escorrida desde manhã. Ao fundo, cantava a espécie. Cantava, cantava. Longe, um pintainho e por detrás um gato rasgado. Por causa da escuridão da Noite, um pintainho preto e um gato só com os olhos destacados. Consoante se aproximavam de mim (mesmo sem se mexer), pareciam mais escuros quando na verdade eram mais claros. Tu apontaste-lhes o dedo e deste-lhes cor. Eu abri as asas do teu coração e sorri-lhes com a escuridão do meu olhar. Quando voaste, eu aqueci e percebi que a Noite tem cor de Noite e a escuridão é para quem não a conhece.

01.01.07

Luzes Encantadas

Doze badaladas e um cheirinho fresco da madrugada nocturna. Lá fora passeavam pássaros e cantavam pessoas em tons de segredo para não incomodar os vizinhos. As luzes baixinhas e os candeeiros da rua dançando ferozmente indecisos entre estar ou não estar de acordo com o que a sociedade lhes exige. Por detrás de uma poeira inconstante, uma bola de pêlo arranhada e perdida. Um senhor felino de bigodes cortados, em cima de um caixote que entretanto cai e faz barulho despertando o latir dos cães e as reclamações de uma mão cheia de humanos cuja palavra não mais é que a reclamação ignorante, sob efeito do cálice do nervosismo e do inconsciente da falta de saber...
Levanto-me e arranjo-me. Saio porque estou farto de estar em casa. Não me apetecia dormir nem estar acordado. Não me apetece sequer ficar sentado no sofá ou no lado de lá do mundo com uma máquina que só serve para chatear. Não me apetece. Saio.
Desço as escadas e o barulho das botas deve incomodar os outros, mas eu ignoro. Desço as escadas. Passado 2 minutos lá estou eu na rua, sozinho na companhia de sombras e de brincadeiras de gatos e de passaritos.
Caminho estrada a baixo automaticamente e ao longe uma luz estranha parece querer uivar cores diferentes com as novidades da Noite. Com as novidades de encantar. Guiado pelo seu clarão, danço pelas ruas enquanto os sons do vento me ameaçam os ouvidos. Vou andando, andando, andando e vou dar ao rio de Lisboa e às instalações populares, longe, porém, do sítio estranho onde o popular é ainda mais popular. Estou sozinho e sem a barulheira comum. Estou longe do vento até. A luz continua lá ao fundo. Parece que para onde quer que vá ela se apresenta despida de medo e a querer algo que, no entanto, não quer dizer.
Apetecia-me lançar o meu corpo a uma lancha e ir em busca do horizonte que se perdia nessa luz. Voltei costas porém e a luz manteve-se à minha frente. Subi a rua e pensei que seria bom encurralá-la. Levei-a até um beco mas não tive êxito. Por mais que tocasse nos limites, ela ia para lá do que eu pretendia. Não se deixava tocar. Pensei então que seria bom ir para lá de mim também e deixei-me guiar pelo inconsciente, vadiando sem pensar na luz. Ao início bem que foi difícil pois os meus sentidos e a minha vontade não se desprendiam de mim, mas consegui. Pensei no mundo, em ti, no mundo, em ti, nos outros, no mundo, nos outros, no mundo, algures, pensei. Ti. Mundo. Outros. Nada. Tudo. Pensei. Pensei. Pensei. Por onde andei, não sei. Por onde fui, perdi-me. E a luz desapareceu. Andei, andei, andei e comecei a Noite com as estrelas a cair-me no corpo. Por cada uma, um sorriso. No final, a Lua despida e sorridente. Ao longe uma árvore pintada de negro pela claridade da Noite que só neste mundo existe. Aqui ao pé um papel no chão com um desenho indecifrável pelo tempo e pelo desprezo dos sapatos que o quiseram pisar...
Voltei para casa porque me cansei de ouvir os vizinhos reclamar. De ver os gatos cair dos caixotes e de sentir que o mundo pára a cada segundo que passa. Cansei-me e fui para casa. No caminho, sentia que não estava sozinho e que o mundo tinha pintado no céu os versos da luz que me tinha acompanhado a Noite toda. Cheguei a casa a sorrir. Quando me apresentei à casa de banho para me despedir do dia e fechar os olhos eram seis da manhã e quando olhei para o meu reflexo uma última vez nessa madrugada, a luz estava lá ao fundo, bem dentro do meu corpo. Deitei-me e ela adormeceu perto do meu coração.

02.01.07

Um quadro ao fundo do céu

Um esboço de figuras quadradas,
Pinturas de céu em cores inexistentes,
Um ponto infinito no canto superior do jardim,
Aquele que ultrapassa qualquer limite do papel.

Uma sombra que parece a madrugada,
Uma bola lançada por uma criança que caiu.
Um sorriso apontado pela mãe que a mima,
Um grito de amor de alguém que já partiu.

Na saudade, um abraço de dois seres que não se conhecem.
Um rápido entrelaçar de sonhos e conhecimento da foz.
A foz que flui sem medo entre os dedos de cada um,
Numa lápide da vida que sopra por nós.

Uma página de lições contadas por um mestre a um discípulo
Caída no chão pelo desassossego da dor
Talvez a revolta de ter estado em perigo
Na encruzilhada da vida de um "eu" salvador.

Uma gravura no canto inferior esquerdo
Com duas mãos a tocar-se e dois olhos de amor.
Um perfil único pela união dos corpos.
A dança da vida, o ritmo predador.

Lá longe um corvo dado,
Ao canto, uma vontade, um refúgio, letal clamor
No cume tétrico a liberdade,
Neste branco de nada e de tudo em redor

13-01-07
Whispering whispers of whispered sorrow...

Heresias em ti

Esta Noite estás longe, despida
Parece que danças por detrás da Lua
Saboreando as palavras da despedida
A saudade que te traz nua

Em estacas de ouro, uma balada
De sonhos hereges, fantasia
Caminhando perdido na alvorada
Eu em rés, assim esquecido

Parece transparente a melodia
Essa dança inocente que te destrói
As palavras da lápide - nossa um dia -
Sabeis bem porque me dói...

E se olho para ti e te vejo
Mesmo sabendo que não estás
É porque é meu real desejo
Ser envenenado pelo que me satisfaz

Se sois deusa, eu sou mendigo
Por te olhar do fundo da verdade
E se sois prado do ser vivido
A morte é luz... eternidade...

07-04-07

Rasgões de Amor

Rasgo-me infinitamente para te dizer que sou eterno e que os bocadinhos que me apresentam me limitam. Sou como tu quando me olhas mas as palavras prendem-me a factos que não existem. Sou como tu nesse olhar despido, sou assim e tu não te importas. Essa vontade de me arranhar a pele deleita-nos. Um encantamento de pétalas esculpidas em espinhos. Cobres-me a dor com gritos de alegria e o resto são os sinos do tempo. Ergues o fogo nessa transpiração de prazer e envolves heresias no pensamento. Cobres-me a razão com a carnalidade do ter e estar e unimos corpos com a ferocidade de uma só instância. Somos um. Um num momento único e transparente. Somos a melodia da Noite e a comoção da Lua. Somos o pecado, o fim do tempo. Por segundos, somos tudo. Tudo nessa instância que não existe. A música é o tilintar das coisas e a sombra, o que não se vê. Somos nós na dança do amor que se apodera de nós na sua forma mais venenosa e nos deixa ir além fronteiras e descobrir por momentos a eternidade. Olhas-me com esses olhos letais que me ferem o coração e perguntas-me no silêncio se ficarei contigo. No vazio do nada, o sorriso diz tudo e o resto é toda a balada que só nossos corpos abençoados foram de conhecer.

30-04-07

Ali.

Lá fora caem as gotas da infância do tempo, ouvindo-se os rasgões do céu pelas asas que não cessam de dançar. Entre os quadros desenhados por D. Infanta e as melodias de gatos inquietos e cansados, o vinho continua em cima da mesa, desenhando a branco, por de trás, toda uma constelação de desejos cobiçados pelo não sentir. Nessas gulas de barões, as bolas de pêlo surgem como se de simples bolas de sabão se tratasse. Entre os quadros a negro e o bulor desinteressado nos cantos de cada dor, firma-se o estrondo do exterior sangrado, firma-se a voz, firma-se furor. Lá longe, talvez ao lado de cada grão do que se avizinha, uma mera brisa de luz. Entre si, salpicos negros de pequeníssimos voadores migrando por medo, necessidade ou simples loucura. Estre si, sim, um rasgão de espaço e de tempo. Entre si, nada, tudo, nada. No pincel, toda a vontade, toda a independência. No traço, toda essa fórmula letal de como poder viver...

14-12-08